
Parece mentira, mas não foi. Em plena década de 1970, em um tempo em que a o Brasil vivia uma ditadura militar e a repressão estava em seu auge, presente em todos os lugares, vetando a tudo e a todos, surge em São Paulo um grupo de rock formado por jovens rapazes, de caras pintadas e visual ousado, com um vocalista de timbre sem igual.
Para felicidade geral da nação e da história da MPB, o tal grupo passou incólume pelos censores. Seu nome? Secos & Molhados.
Formado por João Ricardo, Gerson Conrad e Ney Matogrosso, o Secos & Molhados surpreendia pela postura no palco, com coreografias provocantes, corpos pintados, e, na mesma proporção, pela musicalidade, formada de uma mistura de guitarras, flautas, sanfonas, enfim, uma grande salada brasileira.
Deste LP, lançado em agosto de 1973, saíram vários sucessos que atravessam o tempo: Sangue Latino, O Vira, O Patrão Nosso de Cada Dia, Assim Assado. Destaque para Rosa de Hiroshima, musicada a partir do poema de Vinícius de Moraes:
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh! não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Bailando entre corujas e pirilampos, o Secos & Molhados invadiu a TV, passou a ser figura fácil na Discoteca do Chacrinha, no recém criado Fantástico, lotou o Maracanãzinho e outros tantos estádios. O disco? um fenômeno assustador para aquele ano de 1973: vendeu 800.000 cópias, número até então exclusivo do “Rei” Roberto Carlos. Homens, mulheres, crianças, todos queriam ver e ouvir aqueles rapazes que rebolavam e cantavam Vira vira vira homem, vira vira / vira, vira lobisomem…

Mas entre os sacis e as fadas, haviam brigas internas, disputa de talentos e egos, que culminaram no fim do grupo, em 1974, logo após o lançamento do 2º LP. Dos três integrantes, só Ney Matogrosso conseguiu seguir a trilha de sucesso, lançando seu primeiro disco solo em 1975 (Água do céu pássaro).
Secos & Molhados foi lançado em CD pela primeira vez em 1995, e em 1999 Charles Gavin o reeditou, junto com o segundo disco da banda, dentro da série Dois momentos – dois álbuns em um CD. Em 2010 voltou a ser relançado no formato original, na série Clássicos em Vinil, da Polysom.
Músicas:
Sangue Latino (João Ricardo e Paulinho Mendonça)
O Vira (João Ricardo e Luhli)
O Patrão Nosso de Cada Dia (João Ricardo)
Amor (João Ricardo e João Apolinário)
Primavera nos Dentes (João Ricardo e João Apolinário)
Assim Assado (João Ricardo)
Mulher Barriguda (João Ricardo e Solano Trindade)
El Rey (Gérson Conrad e João Ricardo)
Rosa de Hiroshima (Gérson Conrad e Vinicius de Moraes)
Prece Cósmica (João Ricardo e Cassiano Ricardo)
Rondó do Capitão (João Ricardo e Manuel Bandeira)
As Andorinhas (João Ricardo e Cassiano Ricardo)
Fala (João Ricardo e Luhli)
Músicos:
Ney Matogrosso (vocais), João Ricardo (violões de 6 e 12 cordas, harmônica e vocais), Gerson Conrad (violões de 6 e 12 cordas e vocais) e Marcelo Frias (bateria e percussão), além das colaborações de Sérgio Rosadas (flauta transversal e flauta de bambu), John Flavin (guitarra e violão de 12 cordas), Zé Rodrix (piano, ocarina e sintetizador), Willy Verdaguer (baixo) e Emilio Carrera (piano).
Direção de produção: Moracy do Val
Capa: Décio Duarte Ambrósio (design) e Antonio Carlos Rodrigues (foto).
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